Por Reinaldo Azevedo
Setores consideráveis da imprensa brasileira parecem um tanto
surpresos com a reação da imprensa internacional - e até da Casa Branca, como
dizem alguns com espanto! - à morte de Eduardo Campos. Todos os grandes veículos
de comunicação do mundo deram espaço e destaque consideráveis à
trajetória do ex-governador de Pernambuco que ousou divergir do grupo com o
qual se aliara havia muitos anos. Ainda que terceiro colocado na disputa e com
chances remotas de se eleger, o candidato do PSB foi saudado, no mais das
vezes, como um político operoso e popular e como um democrata. A respeitada The
Economist lhe dedicou um de seus obituários, em espaço nobre.
Há, sim, certa surpresa no ar. Não se esperava tanto. E isso dá
conta de como o debate político se tornou pobre e bruto no Brasil. Por que a
imprensa do mundo democrático dá a Campos uma relevância que ele parecia não
ter por aqui? Porque, nesses países, preza-se a divergência como o sal da
terra, como o sal da democracia, como o sal de um regime de liberdades
públicas.
Entre nós, infelizmente, o debate está acanalhado. Acostumamo-nos
a ver a máquina pública a serviço de um governo, de um partido, de milícias de
pensamento. Acostumamo-nos a ver palacianos cinzentos operando nas sombras para
mudar perfis na Wikipédia. Parece-nos normal que o chefão do maior partido do
país faça uma lista negra de jornalistas. Estamos começando a achar razoável
que o supremo mandatário do país utilize uma solenidade oficial para fazer
campanha eleitoral. Não nos escandalizamos quando um ministro de estado, no uso
pleno da máquina pública, ataca adversários não da presidente Dilma, mas da
candidata Dilma.
Há um processo de demonização da divergência no Brasil. Ou não
vimos uma presidente da República e um ex-presidente a pedir a cabeça de
analistas de um banco, o Santander, porque, afinal, não gostaram das afirmações
que fizeram? E, acreditem!, muitos jornalistas acharam, sim, razoável a
punição. Há dias, fez-se um grande escarcéu porque uma consultoria emitiu
críticas duras ao governo. Nas redes sociais, a divergência com a voz oficial é
tratada como crime, numa odienta ação de milicianos industriados, que agem a
soldo. Até uma subimprensa venal, alimentada com dinheiro público para elogiar
o poder e atacar seus críticos, é vista como coisa normal.
Mas não é assim que a coisa funciona mundo afora, não! Ao
contrário. As democracias sabem muito bem que é a divergência que torna um
regime democrático, já que, como costumo dizer, todas as tiranias dispõem de
governo.
De certo modo, a justa repercussão que a morte de Campos tem no
exterior deveria nos envergonhar, a considerar o tratamento que mereceu por
aqui enquanto estava vivo. Ainda hoje, um notório colunista governista exalta o
homem que "buscava o sonho". Eu aplaudo, e tinha divergências com ele, o homem
que queria outra realidade.
Chegou a hora de a imprensa, boa parte dela ao menos, também
repensar o seu papel e se perguntar até onde, com alguma frequência, não serve
de esbirro a um projeto de poder que pretende eliminar o contraditório.
Fonte: "Blog
Reinaldo Azevedo"
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