Por Reinaldo Azevedo
Já está mais do que evidente, a esta altura, que os petistas
pretendiam transformar a Copa do Mundo numa espécie de máquina mortífera da
política. Ânimos exaltados, nacionalismo à flor da pele, a Seleção Canarinho
esmerilhando em campo, e, ao fundo, aquela velha canção: "Duzentos milhões em
ação/ Pra Frente Brasil/ Salve a Seleção…" A síntese era uma só: "Brasil, ame-o
ou deixe-o". Depois que o PT incluiu, por exemplo, meu nome numa lista negra de
nove jornalistas que estariam torcendo contra a Copa e seriam responsáveis
pelas hostilidades a Dilma nos estádios, passei a receber insistentes convites: "Por que você não vai embora do Brasil? Por que você não muda para Miami"? A
pergunta me é feita, claro!, por pessoas que insistem em não morar em Cuba, na
Coreia do Norte ou na Venezuela. Um recado: não mudo, não! Fico aqui mesmo e
quero o Brasil de volta. Sigamos. A pantomima nacionalista-autoritária estava
ensaiada, mas deu tudo errado! A Copa, organizada pela Fifa, deu certo. A
infraestrutura básica funcionou. As obras de mobilidade não vieram. O país
volta a ser nesta segunda o que quer que fosse antes do início do torneio.
Sem ter uma resposta eficiente a dar, na expectativa de uma nova e
estrondosa vaia - que chegou neste domingo! -, o governo lançou, então, a
operação "Caça-CBF", com o auxílio do subjornalismo áulico e de certa crônica
esportiva que ficaria melhor se fosse embalsamada e posta no museu, numa
atividade com o patrocínio da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da
Petrobras. Descobriu-se que a confederação é a grande vilã e se falou
abertamente na intervenção do Estado no futebol - o mesmo estado que não
conseguiu entregar as obras. Os mais afoitos tinham uma explicação simples e
errada para o desastre: a corrupção na CBF, sua estrutura encarquilhada etc.
Digamos que tudo isso seja verdade: que tal a gente devolver, então, os títulos
de 1994, 2002 e da Copa das Confederações? Só a derrota é filha da corrupção? A
vitória não?
É claro que eu acho que a CBF tem de mudar, mas vamos parar de
conversa mole! Há, sim, na expressão feliz de Aécio Neves, gente tentando criar
a Futebras, e eu insisto que é preciso é ter menos Estado e mais mercado no
futebol. Ao Estado cabe, aí sim, cuidar de algumas leis estruturantes do
futebol - já chego lá. Em maio de 2013, a revista alemã Der Spiegel publicou
uma excelente reportagem (clique aqui para ler versão em inglês) sobre a
revolução havida no futebol do pais nos 12 anos recentes. O gancho era o fato
inédito de dois times alemães disputarem a final da Liga dos Campeões: o Bayern
de Munique e o Borussia Dortmund. Como aquilo era possível? Vale a pena ler o
texto
Uma lei obriga, por exemplo - e, neste ponto, sim, o Estado pode
entrar - os times da primeira e segunda divisões do país a manter o que eles
chamam "academia" de jogadores. No Brasil, conhece-se a "escolinha". Mas não se
trata da coisa bisonha que funciona por aqui, não, de improviso. É preciso
manter funcionando centros de treinamento especialmente voltados para essa
atividade. Antes que técnicos de outros países começassem a visitar a Alemanha
para descobrir os seus segredos, como acontece atualmente, a liga profissional
do país (a CBF deles) mandou técnicos em peregrinação pelos grandes centros de
futebol do mundo - como Espanha e Holanda - para saber como os outros
trabalhavam.
O futebol alemão passou, revela a revista, por uma revolução
tática. Os alemães chegaram à conclusão, também, de que seu jogo era duro
demais. Era preciso mudar uma cultura. Um trecho da reportagem chama a atenção.
Referindo-se a jogadores como Philipp Lahm (capitão da Seleção) e Bastian
Schweinsteiger - que todos vimos sair quase destruído de campo, com o rosto
ferido - diz a revista (traduzo):
"De fato, eles são algo feminis, retraídos, versáteis. No
passado, os fãs do futebol estavam acostumados com os chamados machos Alfa,
jogadores como Oliver Kahn e Stefan Effenberg, que venceram a Liga dos Campeões
de 2001 com o Bayern de Munique. (…) Ou Lothar Matthäus, o líder do time que
ganhou a Copa do Mundo de 1996. Eles chamavam a atenção por seu estilo de jogo
duro e poderoso, por seu comportamento grosseiro e por seus casos rumorosos com
mulheres. Em outras palavras: eram 'homens de verdade'. Mas isso também os
fazia tediosos. Lahm e Schweinsteiger, ao contrário, parecem eternos garotos.
(…) E isso é uma coisa boa porque o jogo moderno depende de um grupo de
jogadores capazes de fazer quase tudo. Todos eles são igualmente importantes, e
ninguém precisa de um companheiro de equipe que determine tudo e domine o time.
Eis por que foi correta a decisão do técnico da Seleção, Joachim Löw, que tirou
da equipe Michael Ballack, o último dos machos Alfa (…) Ninguém mais precisa de
homens oriundos de um modelo velho e selvagem. Dá-se o mesmo na sociedade. Nós
entramos na era do trabalho de equipe."
Retomo
Percebam que essa Seleção Alemã formada de caras que são "uns fofos", para recorrer à expressão de uma das minhas filhas, é parte de um trabalho de educação e de uma tomada de decisão. A Seleção Alemã não começou a ganhar o campeonato quando decidiu criar seu próprio centro de treinamento nas terras quentes da Bahia - os brasileiros ficaram naquela soturna, nesse período ao menos, Granja Comary… Os homens do gelo prefeririam o calor tropical; os dos Trópicos, a neblina… O trabalho vem de longe. Não homenagearam os pataxós por acaso nem mandaram mensagens de agradecimento ao povo brasileiro só porque são bons moços, quase “feminis”, ou "eternos garotos", como diz a Der Spiegel. Isso tudo é parte de uma estratégia.
Percebam que essa Seleção Alemã formada de caras que são "uns fofos", para recorrer à expressão de uma das minhas filhas, é parte de um trabalho de educação e de uma tomada de decisão. A Seleção Alemã não começou a ganhar o campeonato quando decidiu criar seu próprio centro de treinamento nas terras quentes da Bahia - os brasileiros ficaram naquela soturna, nesse período ao menos, Granja Comary… Os homens do gelo prefeririam o calor tropical; os dos Trópicos, a neblina… O trabalho vem de longe. Não homenagearam os pataxós por acaso nem mandaram mensagens de agradecimento ao povo brasileiro só porque são bons moços, quase “feminis”, ou "eternos garotos", como diz a Der Spiegel. Isso tudo é parte de uma estratégia.
Então, sim, está claro que a CBF tem de mudar, que o mundo avançou
nessa área. Mas resta evidente que não será com intervenção estatal que se vai
lograr esse feito. Quando muito, a legislação pode forçar os grandes clubes a
investir efetivamente na formação de jogadores.
Fim da caipirice
E é preciso também romper o cerco da caipirice, que impede que tanto os grandes clubes como a Seleção contratem técnicos estrangeiros. Não só é preciso que eles venham como urge enviar jovens técnicos para conhecer o trabalho que se faz lá fora. Isso, sim, pode mudar o futebol brasileiro. E, claro!, é preciso tomar cuidado com as cabecinhas tacanhas. Aqui e ali, ouvi e li idiotas a exaltar a equipe costa-riquenha, que só teria jogado aquele bom futebol porque livre das garras do capitalismo e coisa e tal… Trata-se de uma bobagem monumental. Quem está levando a taça para casa é o milionário futebol alemão.
E é preciso também romper o cerco da caipirice, que impede que tanto os grandes clubes como a Seleção contratem técnicos estrangeiros. Não só é preciso que eles venham como urge enviar jovens técnicos para conhecer o trabalho que se faz lá fora. Isso, sim, pode mudar o futebol brasileiro. E, claro!, é preciso tomar cuidado com as cabecinhas tacanhas. Aqui e ali, ouvi e li idiotas a exaltar a equipe costa-riquenha, que só teria jogado aquele bom futebol porque livre das garras do capitalismo e coisa e tal… Trata-se de uma bobagem monumental. Quem está levando a taça para casa é o milionário futebol alemão.
É evidente que é bom uma equipe contar com Cristiano Ronaldo, com
Lionel Messi, com Neymar Jr. Quem não quer? Mas, só com eles, não se vence uma
Copa do Mundo. Sem organização, disciplina e planejamento, o talento se dissipa
e tudo termina no ralo. Com organização, disciplina e planejamento, consegue-se
tudo: até talentos.
Quanto às taras estatistas do governo e de parte da crônica
esportiva, dizer o quê? Fazem parte de um mundo velho e selvagem. Quem precisa
deles?
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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