Por Reinaldo Azevedo
Nesses dias em que o jornalismo que deve se levar a
sério tem o sotaque, muitas vezes, de um garoto ou de uma garota manejando suas
opiniões no Facebook ou no Twitter, virou moda travestir opinião de informação,
ignorar fatos relevantes e transformar a adesão a uma determinada tese em
apuração objetiva dos fatos. Procuro (não sou o único, mas um dos poucos) fazer
o contrário:
a) não escondo do leitor o que penso; se ele quiser se mandar daqui e não ler o que tenho a dizer, nada a fazer;
b) opino, no entanto, sobre fatos, sobre dados objetivos, e considero que as pessoas têm de arcar com o peso de suas escolhas, sem esperar que o Estado e as instituições sejam seus cúmplices, em especial quando estão em luta contra… o estado e suas instituições.
a) não escondo do leitor o que penso; se ele quiser se mandar daqui e não ler o que tenho a dizer, nada a fazer;
b) opino, no entanto, sobre fatos, sobre dados objetivos, e considero que as pessoas têm de arcar com o peso de suas escolhas, sem esperar que o Estado e as instituições sejam seus cúmplices, em especial quando estão em luta contra… o estado e suas instituições.
Voltemos ao caso da retenção - não foi prisão nem
detenção - do brasileiro David Miranda em Londres. Considero Edward Snowden um traidor asqueroso e creio que não sabemos da missa
a metade. Gente com esse perfil não se faz do nada. Um rapaz que denuncia a
suposta vocação ditatorial dos EUA e se refugia na Rússia se define. Para mim,
basta. Com um pouco mais de ousadia, ele pediria abrigo à China… Glenn
Greenwald - o jornalista americano, correspondente do Guardian, que mandou seu
marido (o David Miranda) numa missão especial - não é, a meu juízo, flor que se cheire. Pronto! Se o leitor quiser ler o
resto, e vou me ater apenas aos fatos, continua. Se decidir que não, ok; não
perderá seu precioso tempo comigo.
Leio na VEJA.com que Miranda quer que o Senado
brasileiro tome alguma providência. É? Qual? Por que um dos Poderes da
República no Brasil tem de se meter na história de sua retenção? Por acaso a
Scotland Yard o reteve só porque é brasileiro? Ou, sei lá, porque é brasileiro,
gay e negro? Não! Como confessou Greenwald, Miranda levou informações sobre
Snowden para a documentarista Laura Poitras, que estava na Alemanha, e trazia
consigo novos vazamentos (ou que nome tenham) fornecidos pelo ex-agente
americano. Laura e Greenwald receberam juntos, em Hong Kong, as primeiras
informações secretas passadas pelo vira-casaca.
O correspondente do Guardian está longe de ser um
sujeito ingênuo. Ao meter seu marido na história, sabia muito bem que havia
riscos de ele ser detido em algum ponto dessa trajetória. Ousaria mesmo dizer
que ele (quem sabe ambos; não sei quão articulado é o tal Miranda) contava com
isso, porque é visível a determinação do jornalista de provar que os EUA são
uma potência autoritária, que policia o mundo. Nesta segunda, voltou à carga,
com suas teorias conspiratórios, meio paranoicas: "Eles quiseram mandar uma mensagem sobre
intimidação. De que eles têm poder, e, se continuarmos fazendo a nossa
reportagem, publicando os segredos deles, que eles não vão ficar só passivos
mas vão atacar a gente com mais intensidade".
"Intimidação" seria empreender alguma ação à socapa
para mostrar que Greenwald está na mira. Uma retenção no aeroporto, feita
segundo a lei - sim, segundo a lei -, não é intimidação. Especialmente quando
se trata de uma reação esperada, com a qual ele certamente contava. Burro, como
já está evidenciado, não é. A propósito: falando como o militante de uma causa,
não como jornalista, o americano anunciou que vai fazer novas denúncias. Vênia
máxima, jornalista não ameaça publicar o que tem; publica apenas. Uma vez
publicado o texto, não fica fazendo proselitismo sobre a própria reportagem nem
se transforma numa celebridade mundial: deixa que outros se encarreguem da
repercussão.
Reparem no óbvio: Greenwald não publicou uma só
evidência de que os EUA monitorem também o conteúdo das trocas de mensagens que
interceptam. Mas ele, pessoalmente, sustenta que sim. Também não publicou uma
só evidência de que o país tenha interesses outros que não combater o
terrorismo, mas ele, em várias entrevistas e no depoimento prestado ao Senado
brasileiro, sustenta que sim. Não publicou, reitere-se, uma só evidência de que
a "espionagem" de brasileiros tivesse objetivos comerciais, mas ele sustenta
que sim… Esse tipo de prática caracteriza militância política, não jornalismo.
Snowden teve acesso a segredos do monitoramento feito
pelos EUA em seu trabalho de combate ao terror. Insisto que não temos como
saber quantos atentados deixaram de ser praticados por isso. Ou temos? Tivessem
acontecido, o mundo seria hoje não só mais inseguro como mais paranoico; é bem
provável que as liberdades individuais estivessem ainda mais reduzidas. Sim,
senhores! Snowden é um criminoso - e não porque demonstrou que o suposto Grande
Satã espiona todo mundo. Mas porque foi treinado e era pago, como funcionário
de estado, para manter sigilo sobre as operações de segurança. Imaginem se isso
vira moda…
Não por acaso, seu maior aliado é ninguém menos do
que o delinquente Julian Assange, um amigo de tiranos que, inicialmente,
divulgava os documentos que chegavam ao seu site. Depois de algum tempo, ele
passou a tramar a invasão a dados sigilosos de governos - decidindo
pessoalmente o que vazar ou não. Isso não tem nada a ver com transparência ou
jornalismo: é crime de espionagem revestido de interesse público.
Greenwald precisa escolher uma profissão: jornalista
ou militante político. David Miranda precisa escolher uma condição: marido, com
atividade e renda próprias (tem?), ou parceiro dessa militância política - nesse caso, tem de arcar com o peso de suas opções, em vez de tentar
transformar num caso de soberania nacional o que é nada mais do que uma escolha
individual. Uma coisa é certa: ele não tinha ido à Alemanha para conhecer a
Floresta Negra ou para comer chucrute.
Setores majoritários da imprensa se mostram
preguiçosa e ativamente solidários porque o coquetel politicamente correto se
lhes mostra irresistível: Glenn, americano, bem de vida, branco e gay, casa-se
com um brasileiro negro, pobre e oriundo da favela. É uma fábula da Cinderela
adaptado aos tempos modernos. Nesse caso, há, adicionalmente, o ingrediente
político: os EUA fazem o papel da madrasta má. Trata-se de uma fábula
politicamente infantiloide, como é, diga-se, o pensamento politicamente
correto.
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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