Por Rolf Kuntz
É quase uma crueldade pedir
à presidente Dilma Rousseff a substituição do ministro da Fazenda, Guido
Mantega. Sem ser almas irmãs, são pelo menos espíritos complementares. Ambos
atribuem a alta da inflação nos primeiros meses deste ano à quebra da safra
americana. Nenhuma relação com a demanda, disse recentemente o ministro. A
presidente reafirmou a tese da seca nos Estados Unidos na quarta-feira, ao
comentar triunfalmente o resultado de julho, uma alta de apenas 0,03% do Índice
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Onde encontrar um parceiro tão adequado
para esse dueto?
Talvez no Ministério da
Educação, mas essa hipótese tem sido negada no Palácio do Planalto. Outra
possibilidade seria chamar o ET de Varginha, merecedor do "maior respeito",
segundo a presidente. Mas seria preciso saber, em primeiro lugar, se ele
acredita na existência do governo instalado em Brasília ou se o considera mais
uma alucinação coletiva ou produto da crendice popular. Mas todos esses
detalhes, neste momento, são pouco importantes. Quarta-feira, esta é a grande
notícia, foi um dia glorioso para a presidente e para Mantega.
A
inflação, disseram os dois, está e sempre esteve sob controle, sem prejudicar a
economia. O ministro, no entanto, foi mais cauteloso e admitiu aumentos de
preços mais acelerados nos próximos meses - "como em todos os anos", segundo
ele. Com a mesma prudência, evitou previsões mais detalhadas. Quando lhe
perguntaram se a taxa acumulada no fim do ano será menor que a do ano passado,
quase tirou o time de campo. "Não sei, provavelmente sim", foi a resposta
registrada pela Agência Estado.
Sem a seca americana e com
boa oferta de alimentos no Brasil, fica difícil entender essa hesitação. Talvez
ele tenha lido, num momento de folga, as projeções de mercado mantidas no site
do Banco Central (BC). Na sexta-feira de manhã o BC ainda registrava a
estimativa para o mês de julho: 0,01%, um número pouco melhor que o divulgado
oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os
números projetados para os meses seguintes crescem de forma quase contínua:
0,26% em agosto, 0,43% em setembro, 0,55% em outubro, 0,55% em novembro e 0,67%
em dezembro.
Para o ano a série indica
uma alta acumulada de 5,72%, bem pouco inferior à do ano passado, 5,84%. Talvez
se possa falar em convergência para a meta, de 4,5%, mas o avanço é lento e,
nesse ritmo, o percurso dificilmente será concluído nos 12 meses seguintes.
Mas o governo parece
continuar satisfeito com acumulados anuais abaixo de 6,5%. Sua meta efetiva é qualquer
ponto na faixa de 4,5% a 6,5%, um detalhe traído mais de uma vez pelo próprio
ministro em suas declarações. Politicamente é este o ponto mais importante: a
inflação estará "bastante sob controle", segundo a linguagem presidencial,
enquanto as taxas de 12 meses ficarem nessa área. O "compromisso com a
estabilidade", mencionado mais uma vez pela presidente na quarta-feira, tem
como referência esse limite.
É um compromisso frouxo,
próprio de quem pouco se incomoda com a alta persistente dos preços. Em dez
anos, uma inflação anual média de 4,5% resulta numa taxa acumulada de 55,3%.
Uma inflação de 2,5%, mais próxima das metas adotadas nos países desenvolvidos
e em vários emergentes, produziria uma alta de preços de 28% no mesmo período.
Uma das consequências seria um considerável desajuste cambial no País com taxa
mais elevada.
O ministro Mantega falou
muitas vezes em guerra cambial, nos últimos cinco anos. A presidente Dilma
Rousseff acusou os governos dos países desenvolvidos de criarem um tsunami
monetário e com isso afetarem o câmbio e o poder de competição dos emergentes.
Ambos seriam muito mais realistas, e mais eficientes na política econômica, se
dessem mais atenção à diferença entre as taxas de inflação no Brasil e em
outros países.
Mas isso parece muito
improvável. As pressões inflacionárias, segundo o governo, vêm de fora,
juntamente com a crise causadora, também segundo a versão do Planalto, da
estagnação brasileira. Além disso, a meta de 4,5% foi estendida até 2015, com a
margem de tolerância de 2 pontos para mais ou para menos (na prática, para
mais). Um resultado anual de 6,4% continuará sendo alardeado como prova do
compromisso com a estabilidade.
Tudo isso combina
perfeitamente com o desleixo fiscal. Como os truques de maquiagem estão cada vez
mais evidentes, o governo tem desistido, com jeito de criança flagrada em
molecagem, de alguns expedientes escandalosos, como a antecipação de recebíveis
da Itaipu Binacional. É cada vez mais difícil encontrar meios para entregar no
fim do ano um superávit primário de 2,3% do produto interno bruto, já bem menor
que a meta inicial de 3,1%. Enquanto isso, continua a política fiscal
expansionista apontada mais de uma vez pelo pessoal do BC nas avaliações dos
fatores inflacionários.
Sem melhora na gestão das
finanças públicas - nem corte de gastos, nem aumento da eficiência no uso do
dinheiro -, mantém-se uma das causas principais do desarranjo dos preços. As
possíveis pressões derivadas do aumento do dólar apenas complicarão um quadro
já bastante ruim.
A tarefa de frear a
inflação continuará entregue aos formuladores da política monetária. Nenhum
diretor do BC entenderá a taxa de 0,03% de julho, explicável basicamente pela
redução política das tarifas de transportes e pelo recuo temporário dos preços
dos alimentos, como um sinal de vitória. Muito mais fácil será declarar
respeito ao ET de Varginha e abrir licitação para um ufódromo. Uma nova estatal
poderá cuidar do assunto. Em cinco anos as obras estarão incompletas, talvez
nem começadas, mas o orçamento terá aumentado barbaramente.
Fonte: "O Estado de S. Paulo"
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