Por Reinaldo Azevedo
Vejam estas duas fotos
Dilma não precisou nem trocar de uniforme. Com o
mesmo casaquinho, a Dama de Vermelho recebeu o beija-mão de Guilherme Afif
Domingos, agora ministro da Micro e Pequena Empresa - e também vice-governador
de São Paulo… - e Nicolás Maduro, ditador eleito (?!) da Venezuela, cujo
governo, que mal começou, já tem ao menos oito cadáveres nas costas. São
retratos do Brasil. São também retratos da América Latina.
Nas duas narrativas, a gente nota que os
protagonistas resolveram exercer exemplarmente seu papel. Afif, que sempre se
quis um "liberal", nunca foi muito simpático nem mesmo ao governo FHC.
Posicionou-se sempre à sua direita e chegou a ser, vá lá, um protótipo ao menos
de um democrata conservador. A impressão que se tem é que suas reservas à era
tucana tinham um caráter, quem sabe?, mais pessoal do que propriamente
ideológico. Talvez nunca lhe tenham dado a atenção de que se julgava merecedor.
O petismo não tem dessas frescuras: sabe recompensar quem, afinal de contas,
beija a mão.
É evidente que o simbolismo da foto é mais forte do
que seu conteúdo referencial. Se é até de se esperar que um homem de formação
conservadora, caminhando para os 70 anos, beije a mão de uma senhora
respeitável, não há como ignorar que o gesto encerra, se as ideias fossem
levadas a sério - e se as pessoas se levassem a sério -, uma espécie de
rendição. Por que Afif, afinal de contas, se tornou ministro do governo Dilma?
Em que o petismo é expressão das teses que defendeu ao longo de quase 40 anos
de vida pública? Na entrevista concedida à VEJA.com, ele não conseguiu ir além
das metáforas fisiológicas: é preciso pensar com a cabeça, ensinou, não com o
fígado. Ocorre que ele também é vice de um governador do PSDB. Nesse caso, não
está claro se ele está pondo a cabeça a serviço do fígado ou o fígado a serviço
da cabeça. Abaixo, vejam depois se quiserem, há um vídeo de pouco menos de 8
minutos, em que Afif, em entrevista ao site Mídia Sem Máscara, nos explica o
que é o liberalismo. Foi concedida em 2006. Sete anos depois, ele foi beijar a
mão de Dilma. E não tenho dúvida de que ele julga que seu liberalismo segue
imaculado.
Maduro
É
evidente que eu não estou aqui a defender que Dilma Rousseff recusasse a visita
do ditador Nicolás Maduro. Ainda que ela tivesse ligações históricas com a
democracia, o homem, em princípio, é um problema dos venezuelanos. O Brasil
mantém relações diplomáticas com a Venezuela, e esse tipo de acontecimento é
parte do jogo. Mas também é certo que há modos e modos de cumprir o papel
institucional.
Maduro não pegou Dilma de surpresa com o seu "presente".
Essas coisas são meticulosamente organizadas por assessores. Ao receber
publicamente o retrato de Chávez, a presidente vai muito além do papel
protocolar. Não está tendo com o presidente venezuelano a delicadeza de rigor.
Presta, isto sim, uma reverência à ditadura, que matou há dias oito pessoas nos
protestos de rua. Todos sabemos, de resto, em que condições se disputam
eleições no país: a oposição não tem acesso aos meios de comunicação, hoje
monopólio estatal. Mesmo assim, Maduro venceu com uma diferença de 1,49 ponto
percentual, num processo escandalosamente fraudado, com milícias nas ruas e nos
postos de votação intimidando os eleitores. Se receber Maduro era inevitável,
ter um pouco de decoro era indispensável.
Mas não teve nenhum! Cumpre lembrar que Dilma e
Cristina Kirchner deram um golpe no Mercosul e suspenderam o Paraguai para
facilitar e entrada da Venezuela no bloco. A Venezuela é pioneira nas chamadas
neoditaduras latino-americanas, que recorrem a eleições para desfigurar o
próprio processo democrático.
De volta a Afif
E
volto, então, a Afif. Na Venezuela, o agora ministro certamente não estaria com
Henrique Capriles, o líder da oposição. Isso seria, quero crer, "pensar com o
fígado". Segundo o entendimento político deste "liberal", melhor negócio seria "pensar com a cabeça" e se juntar a Maduro mesmo, apresentando-lhe projetos de
interessa da sociedade…
Dilma Afif, Maduro… Agora estão todos juntos.
Contra quem estão mesmo lutando?
Fonte: "Blog Reinaldo Azevedo"
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