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quinta-feira, 9 de maio de 2013

"A matemática do cinismo"


Por Gustavo Nogy
O Brasil é o país do humanismo vagabundo e da coleta seletiva de vítimas. Que os leitores me perdoem a obsessão. Uma mulher - ela tem nome: Cinthya Magaly Moutinho de Souza - é incendiada, e se apressam os sociólogos para encontrar não sei quais razões que possam justificar e, no limite, defender o incendiário. Protegê-lo de nós.  Um estudante - ele tem nome: Victor Hugo Deppman - é executado, e o especialista em Direito Penal, sob o abrigo dos códigos e de alguma promíscua hermenêutica, acha por bem vir a público ensinar a nós outros as virtudes civilizatórias da inimputabilidade.
Mas essas são as vítimas que não interessam aos militantes, aos pacifistas, aos artistas beijoqueiros e aos - como é mesmo? - operadores do direito. Falta-lhes o glamour. Entram nas estatísticas e ali ficam. Ali somem. Como se tomar parte silenciosa no percentual de assassinatos/ano lhes fosse o mais digno epitáfio. Mas há vítimas e vítimas.
Matemático: onze mandados de prisão por tráfico e homicídio. Ignoro-lhe, de propósito, o nome. Assim quis ser conhecido o traficante morto em uma perseguição da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Há um ano. Domingo, 5, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibe imagens e denuncia - depois da protocolar consulta aos especialistas - a impropriedade da ação policial. Mais do que isso: a desproporção entre a força estatal e o indefeso e encurralado personagem. Ele é a vítima que importa.
Tão logo exibida a reportagem, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, presidida por Marcelo Freixo, tratou de abrir os trabalhos:  "Os recursos da Polícia Civil, os recursos da secretaria de segurança, os investimentos em tecnologia não podem estar a serviço desse tipo de ação". José Mariano Beltrame, secretário de segurança e inventor daquele sistema que consiste em deslocar os traficantes de um morro para que pacificamente possam retomar a lida em outro morro, considera que o setor especializado tem de dar uma resposta à sociedade. O jornalista insiste, mais do que pergunta: "Não foi mesmo execução?".
Na segunda-feira, 6, a Polícia Civil toma a decisão de afastar de suas funções o piloto do helicóptero usado na operação. O caso havia sido arquivado, "mas ganhou novos rumos depois da exibição, no último domingo (5), pelo Fantástico,da caçada da polícia ao traficante, como mostrou o RJTV".
A inversão de valores - mais do que isso: a escolha deliberada de valores específicos e a simpatia por determinados protagonistas - é flagrante e a mim estarrece. Não pretendo, é evidente, ignorar que investigações precisam ser feitas; tampouco me entusiasmo pela atuação estatal e pela ideologia do estado forte, detentor do monopólio da força. É o que temos pra hoje, admito.
O que impressiona é que há toda uma cosmovisão subjacente e nada parece ser gratuito. Dentro daquela estrutura narrativa - marxismo vulgar, rousseaunismo rastaquera e algumas boas doses de tergiversações acerca da biopolítica -, as vítimas queimadas ou executadas barbaramente não são exatamente vítimas: são apenas dentes de uma engrenagem muito mais complexa, que as ultrapassa e absorve. Elas estavam ali, na hora e lugar errados. Os perpetradores de barbaridades são, por sua vez, o epifenômeno do que o pensamento crítico costuma chamar de "sistema". Como se traficantes e assassinos fossem apenas força bruta, força da natureza; amorais e, ipso facto, inocentes.
Se a sociedade clama por penas mais severas e urgentes para os bandidos, os arautos do humanismo de ocasião respondem com os direitos, com as salvaguardas, com os estatutos, com as estatísticas. Se, no entanto, a vítima é o anti-herói; se a vítima é o homicida; se a vítima é o traficante morto no legítimo exercício de suas atividades, digamos, extracurriculares, daí sim algo há de ser feito.
Na prática, o meliante, quando mata, é vítima de um tal sistema que o teria produzido; quando morre, é vítima do mesmo sistema que o teria produzido. De um jeito ou de outro ele nunca perde. E nós outros? Ficamos com o choro dos parentes, com a solidão dos próximos, com a morte anônima e carente de qualquer significado, de qualquer metáfora, de qualquer discurso. Que os mortos velem seus mortos. É o que resta?
Publicado no site Ad Hominem 

Um comentário:

Mariana disse...

Mais uma classe protegida pelo sistema. Hoje, nós que não pertencemos a qualquer uma dessas "minorias", só rezando prá sobrevivermos.