domingo, 7 de outubro de 2012
"Sinal de vida"
A condenação
clara e indignada, por ministros do Supremo Tribunal Federal, do mau uso da
máquina pública revigora a crença na democracia
A pedra fundamental da cultura
democrática, que é a crença e a efetividade de todos sermos iguais perante a
lei, ainda está por se completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá
fundamento moral à democracia. Esta não transforma de imediato os mais pobres
em menos pobres. Mas deve assegurar a todos oportunidades básicas (educação, saúde,
emprego) para que possam se beneficiar de melhores condições de vida. Nada de
novo sob o sol, mas convém reafirmar.
Dizendo de outra maneira, há um
déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas exigem seus direitos e cumprem
suas obrigações, nem as instituições têm força para transformar em ato o que é
princípio abstrato.
Ainda recentemente um ex-presidente
disse sobre outro ex-presidente, em uma frase infeliz, que diante das
contribuições que este teria prestado ao país não deveria estar sujeito às
regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que é pior é que esta é a
percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente, porque é a prática
habitual.
Pois bem, parece que as coisas
começam a mudar. Os debates travados no Supremo Tribunal Federal e as decisões
tomadas até agora (não prejulgo resultados, nem é preciso para argumentar)
indicam uma guinada nessa questão essencial. O veredicto valerá por si, mas
valerá muito mais pela força de sua exemplaridade.
Condenem-se ou não os réus, o modo
como a argumentação se está desenrolando é mais importante do que tudo. A
repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática expressada com
veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto
e Cármen Lúcia, são páginas luminosas sobre o alcance do julgamento do que se
chamou de "mensalão".
Ele abrange um juízo não
político-partidário, mas dos valores que mantêm viva a trama democrática. A
condenação clara e indignada do mau uso da máquina pública revigora a crença na
democracia. Assim como a independência de opinião dos juízes mostra o vigor de
uma instituição em pleno funcionamento.
É esse, aliás, o significado mais
importante do processo do mensalão. O Congresso levantou a questão com as CPIs,
a Polícia Federal investigou, o Ministério Público controlou o inquérito e
formulou as acusações, e o Supremo, depois de anos de dificultoso trabalho,
está julgando.
A sociedade estava tão desabituada e
descrente de tais procedimentos quando eles atingem gente poderosa que seu
julgamento - coisa banal nas democracias avançadas - transformou-se em atrativo
de TV e do noticiário, quase paralisando o país em pleno período eleitoral.
Sinal de vida. Alvíssaras!
Não é a única novidade. Também nas
eleições municipais o eleitorado está mandando recados aos dirigentes
políticos. Antes da campanha acreditava-se que o "fator Lula" propiciaria ao PT
uma oportunidade única para massacrar os adversários. Confundia-se a avaliação
positiva do ex-presidente e da atual com submissão do eleitor a tudo que “seu
mestre” mandar.
É cedo para dizer que não foi assim,
pois as urnas serão abertas esta noite. Mas, ao que tudo indica, o recado está
dado: foi preciso que os líderes aos quais se atribuía a capacidade milagrosa
de eleger um poste suassem a camisa para tentar colocar seu candidato no
segundo turno em São Paulo. Até agora o candidato do PT não ultrapassou nas
prévias os minguados 20%.
No Nordeste, onde o lulismo com as
bolsas-família parecia inexpugnável, a oposição leva a melhor em várias
capitais. São poucos os candidatos petistas competitivos. Sejam o PSDB, o DEM,
o PPS, sejam legendas que formam parte "da base", mas que se chocam nestas
eleições com o PT, são os opositores eleitorais deste que estão a levar
vantagem.
No mesmo andamento, em Belo Horizonte,
sob as vestes do PSB (partido que cresce), e em Curitiba são os governadores e
líderes peessedebistas, Aécio Neves e Beto Richa, que estão por trás dos
candidatos à frente. Em um caso podem vencer no primeiro turno, noutro no
segundo.
Não digo isso para cantar vitória
antecipadamente, nem para defender as cores de um partido em particular, mas
para chamar a atenção para o fato de que há algo de novo no ar. Se os partidos
não perceberem as mudanças de sentimento dos cidadãos e não forem capazes de
expressá-las, essa possível onda se desfará na praia.
O conformismo vigente até agora, que
aceitava os desmandos e corrupções em troca de bem-estar, parece encontrar seus
limites. Recordo-me de quando Ulysses Guimarães e João Pacheco Chaves me
procuraram em 1974, na instituição de pesquisas onde eu trabalhava, o Cebrap,
pedindo ajuda para a elaboração de um novo programa de campanha para o partido
que se opunha ao autoritarismo.
Àquela altura, com a economia
crescendo a 8% ao ano, com o governo trombeteando projetos de impacto e com a
censura à mídia, pareceria descabido sonhar com vitória. Pois bem, das 22
cadeiras em disputa para o Senado, o MDB ganhou 17. Os líderes democráticos da
época sintonizaram com um sentimento ainda difuso, mas já presente, de repulsa ao
arbítrio.
Faz falta agora, mirando 2014, que os
partidos que poderão eventualmente se beneficiar do sentimento contrário ao
oportunismo corruptor prevalecente, especialmente PSDB e PSB, disponham-se cada
um a seu modo ou aliando-se a sacudir a poeira que até agora embaçou o olhar de
segmentos importantes da população brasileira.
Há uma enorme massa que recém
alcançou os níveis iniciais da sociedade de consumo que pode ser atraída por
valores novos. Por ora atuam como "radicais livres" flutuando entre o apoio a
candidatos desligados dos partidos mais tradicionais e os candidatos daqueles
dois partidos.
Quem quiser acelerar a renovação terá
de mostrar que decência, democracia e bem-estar social podem novamente andar
juntos. Para isso, mais importante do que palavras são atos e gestos. Há um
grito parado no ar. É hora de dar-lhe consequência.
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário