Por Murilo Leitão
Em tempo de eleições, principalmente
quando das coletivas de imprensa das autoridades que conduzem o procedimento,
muito se fala sobre liberdade de imprensa,
invariavelmente exaltada como um dos pilares da democracia.
Entretanto, e com o devido respeito,
infelizmente a liberdade de imprensa no Brasil ainda está longe de ser o que
dela se fala.
No Brasil existe nitidamente um fosso
entre os veículos de comunicação. Os grandes, que se divulgam pela televisão e
os com robusta penetração popular, recebem tratamento visivelmente distinto
daqueles de menor alcance, como blogs, jornais regionais, revistas de inserção
reduzida etc.
E é por isso que a agressão ou
violência física contra qualquer jornalista de uma emissora de televisão é
ordinariamente tratada como causadora de gigantesca comoção nacional, atenção
nem sempre dispensada a outros membros da mesma profissão.
Segundo dados da ong Press Emblem Campaign publicados neste mês de outubro, o
Brasil é o quarto país mais violento no mundo para jornalistas, atrás apenas da
Síria, México e Somália, e à frente de outros como Afeganistão e Iraque.
Nem mesmo nossos vizinhos
latino-americanos, apontados como ditatoriais, por exemplo, Venezuela e Bolívia,
superam nosso torto Estado Democrático.
A violência contra o exercício do
jornalismo no Brasil não se restringe às agressões físicas, podendo chegar a
ser chancelada, quando não produzida, por quem deveria coibi-la: o Poder
Judiciário.
Isso porque a censura e as
condenações impostas aos veículos de comunicação, especialmente, repita-se, aos
de menor inserção, são de assustar.
O artigo 5º, XIV da Constituição
Federal é de redação muito clara e interpretação inquestionável ao pontuar que
"é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional".
Sem sombra de dúvida, é um
dispositivo que mirou em cheio nas atrocidades cometidas no período de exceção
legal vivido no país, tentando estabelecer um mínimo de garantias não só para
os jornalistas, como também para advogados, médicos, psicólogos e todos aqueles
que mantêm relação de fidúcia com seu cliente e/ou fonte de informações ou
sigilo.
Mas o trato jurídico diário, nos
embates forenses em torno da defesa de jornalistas no exercício da profissão,
revela enorme dificuldade na produção de provas capazes e suficientes para a
defesa dos interesses do cliente, muito pela resistência dos magistrados na
aplicação das diretrizes saídas do referido dispositivo constitucional.
Aqui no Brasil a distribuição do ônus
na produção da prova em juízo segue, comumente, pela diretriz básica "quem
acusa deve provar", esquecendo-se, por vezes, que há inúmeras exceções à
referida regra, como na hipótese do resguardo da fonte que inviabiliza ao
jornalista indicar suas testemunhas ou quais suas fontes.
Ainda por cima, a matriz
constitucional nunca foi devidamente regulamentada, dificultando sua efetiva
aplicação na defesa da liberdade de imprensa.
Claro que isso não pode servir de
justificativa à sua inobservância, afinal, não é por existir uma lacuna
regulamentadora que ao magistrado é facultado ignorar os parâmetros basilares
vindos da fundação do Estado.
Deve ele, sim, pautar-se nas inúmeras
técnicas de hermenêutica, ou seja, de interpretação da Lei a partir da
conveniência fática com a qual se depara.
A Lei, por certo, antes de ser uma
garantidora de direitos, é o texto por onde são escancaradas as mazelas da
sociedade.
Se a Constituição diz que é assegurado
o sigilo da fonte, está ao mesmo tempo dizendo que na realidade o sigilo da
fonte é frequentemente desrespeitado e por isso o texto legal surgiu para
corrigir essa falha, traçando balizas que deverão ordenar a atuação dos homens
responsáveis pela condução do país e pela aplicação da lei, sejam juízes,
parlamentares, promotores, delegados... e por aí vai.
Melhor explicando: o desrespeito ao
sigilo da fonte é o que justifica a previsão constitucional asseguradora da
garantia capaz de reverter referida calamidade, a qual passa a ser de
observância obrigatória aos operadores da Lei.
Surge então outro complicador. Há
certo tempo, ao fazer uma rápida pesquisa, constatei que um mesmo Senador da
República, ex-presidente do Senado, aforou, em um mesmo dia, oito processos contra
veículos de imprensa e mais 12 dentro de um único mês. Em pouquíssimo tempo,
foram 20 processos. Isso em apenas um Tribunal.
Já em outra pesquisa, dessa vez no
sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, encontrei algo em
torno de 20 processos ativos movidos por um mesmo parlamentar contra veículos
de imprensa. Aqui em Brasília, são quase nove do mesmo parlamentar igualmente
contra jornalistas.
Muitos parlamentares brasileiros, que
juram respeito e defesa à Constituição, são verdadeiros fregueses do Judiciário
quando se trata de processar jornalistas, e geralmente jornalistas que estão
fora dos grandes veículos de massa.
Os processos, muitas vezes, são
utilizados na tentativa de desvendar a fonte ou até para que se obtenha uma
decisão judicial capaz de ser exibida à opinião pública como uma satisfação a
denúncias, o que nem sempre é meta inalcançável, notadamente pelo engessamento
interpretativo de um ou outro magistrado quanto ao sigilo da fonte ou das
garantias de críticas conferidas a qualquer cidadão.
Daí porque a enorme quantidade de
ações: ele só precisa ganhar uma!
Mas não se pode deixar de registrar
que alguns magistrados, dentre eles o ministro Celso de Mello do Supremo
Tribunal Federal, e a ninistra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça,
são exímios defensores e julgadores quando as prerrogativas da imprensa são
questionadas, atuando dentro da sobriedade capaz de combater o mau jornalismo e
enaltecer o trabalho sério, informativo e de crítica.
Enfim, de qualquer forma, a estrutura
do Estado Brasileiro, no geral, ainda está muito aquém de garantir uma
liberdade de imprensa satisfatória. Até agora patinamos e escorregamos nesse
assunto. O que precisamos, e é vital, é aprender a levantar e a nos fortalecer
pelo caminho.
* Murilo Leitão, advogado do escritório
Lira Rodrigues, Coutinho e Aragão Advogados, Brasília-DF
Fonte: Blog do Noblat
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