Miriam Leitão
Os escândalos passam pelo noticiário
numa procissão infindável, uma cachoeira de escândalos. Tenebrosas transações
vão surrupiando recursos públicos, esgarçando a confiança nas instituições,
consolidando a sensação de que os políticos são assim mesmo; todos iguais.
No ano passado foi um dominó que
derrubou sete ministros e consumiu o ano inteiro. Este ano, a CPI que começa é
outra que tem o nome de CPI do fim do mundo.
Onde é que estão os riscos e como
entender essa avalanche? A imprensa é apenas a mensageira da notícia. Ela
divulga. Não é a responsável pelo ambiente de cansaço e apreensão diante de
tanto fato que ofende o país.
O problema alcançou uma dimensão que
vai além do evento em si, vai além da política, e compromete ganhos importantes
que o país conquistou nas últimas décadas. Cada evento tem que ser apurado, e
seus responsáveis, punidos.
Mas seria normal que a esta altura
dos malfeitos houvesse algum temor entre os corruptos. Eles parecem, fita após
fita, diálogo após diálogo, ter a mesma sem cerimônia, a mesma incorrigível
desfaçatez.
Políticos com posições de destaque,
com ambições ainda maiores, são capazes de exibições de espantosa falta de
noção do conflito de interesses e dos limites que devem reger as relações entre
o público e o privado.
Se colocassem apenas as suas
carreiras em risco, vá lá. Mas o perigo se abate também sobre políticas
públicas que esses políticos colocaram em marcha, e para as quais contribuem
pessoas e servidores sinceramente convencidos da sua qualidade.
Tudo isso desanima. Abate. Confunde.
O brasileiro honesto diante de tanta recorrência pode achar que é assim mesmo,
é da natureza da política.
Pode considerar que o melhor é aderir
a esse padrão moral nas suas próprias relações. Ou pode simplesmente se afastar
de tudo, não querer mais perder tempo em entender tanto organograma dos
esquemas criminosos, ouvir trechos de tantos diálogos tortuosos.
A generalização, a perda de valores,
ou a alienação, qualquer dessas reações é perigosa para o país.
A primeira vai minar o apoio à democracia,
porque a conclusão pode ser: se todos os políticos são iguais, melhor não
tê-los. A segunda porque ela tornará a corrupção endêmica, parte da cultura
nacional. A terceira, essa do abandono do navio aos ratos, é a renúncia à busca
de um país decente.
Um escândalo é apenas um escândalo.
Todos eles juntos vão formando a cachoeira que pode nos arrastar para longe do
objetivo que o Brasil tinha quando lutou suas lutas recentes.
Na conversa da redação, quando a
equipe da Globonews preparava a reportagem sobre Rubens Paiva, nos demos conta
de que a maioria dos brasileiros não tinha nascido quando o deputado foi preso
e desapareceu em 1971.
Fui verificar no IBGE, e o número era
espantoso: 68% dos brasileiros têm menos de 41 anos. O Brasil tem uma população
jovem. Isso é um bônus, mas o risco aumenta.
Os que na minha geração entenderam a
dor vivida pelo país durante a ditadura estão dispostos a tudo para manter o
Congresso aberto. Mas e os jovens? Os que nada daquilo viveram? Até quando
tolerarão a sequência de escândalos sem serem capturados por algum vendedor de
poção mágica e autoritária para os males nacionais?
Na economia, a corrupção é
devastadora. O que normalmente se tem em mente é o volume de recursos desviado
dos cofres públicos através das estratagemas de sempre: empresas fantasmas que
não prestam o serviço para o qual são pagas; sobrepreço na compra de bens e
serviços pelo governo; compras aprovadas por políticos e funcionários que
receberam a sua parcela do dinheiro sujo; desperdício de obras inacabadas.
Há muitas outras perdas. As empresas
fornecedoras do governo adotam normas de organização gerencial que promovam o
funcionário que sabe o caminho, ou descaminhos, do cofre.
Como o Estado é o grande comprador,
se a má prática se dissemina, todos os milhares de fornecedores do Estado serão
colocados em algum momento diante do dilema: aceitar ou não a regra vigente.
Hoje, já se vê no Brasil o desdobramento disso, que é a corrupção nos negócios
entre empresas privadas.
Grandes investidores podem considerar
que o Brasil não é um país para o qual se deva ir. A corrupção de tão frequente
pode estar neste momento desanimando alguma diretoria a tentar voos maiores
para o Brasil. Ou então desembarcam com a orientação de adotar padrões éticos
mais flexíveis para se adaptar à cultura local.
A democracia corre riscos evidentes a
cada nova pancada que a opinião pública recebe. A economia vai se viciando,
encontrando os atalhos, perdendo sua eficiência, atraindo apenas os piores, os
que sabem se movimentar em ambiente tão degradado.
O Brasil tem sonhos altos e nesse
momento tem mais confiança de que pode alcançá-los. Quer estar entre os
primeiros países do mundo, mesmo sabendo que o sexto lugar em PIB só será
efetivo quando houver o mesmo grau no desenvolvimento humano.
Ninguém desconhece que há uma lista
grande de tarefas por fazer. A dúvida é quanto do nosso destino está sendo
diariamente sabotado pela corrupção no momento em que temos tantas chances.
Fonte: "O Globo"
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