Por Ruy Fabiano
Entre as mudanças que o PT estabeleceu na política brasileira
contemporânea, nenhuma foi tão significativa quanto as que impôs ao conceito de
CPI. Concebido como instrumento da minoria para investigar o governo, passou
por diversas mutações.
A primeira, com o PT ainda na oposição, foi a de se ter
transformado em espetáculo político e palanque eleitoral.
O PT, como se recorda, por qualquer razão - ou mesmo sem nenhuma -, propunha que se instalasse uma CPI. Lula chegou a declarar: "Quanto mais CPIs, melhor".
O PT, como se recorda, por qualquer razão - ou mesmo sem nenhuma -, propunha que se instalasse uma CPI. Lula chegou a declarar: "Quanto mais CPIs, melhor".
E assim o partido firmou imagem de perseguidor de corruptos e
defensor da moral pública.
Se não houvesse fato concreto - como exige a lei -,
tratava-se de providenciá-lo.
Ficou célebre a parceria do partido com alguns procuradores
da República, projetando a figura de um deles, Luiz Francisco de Souza, versão
cabocla do inquisidor Torquemada, curiosamente ausente desde que o PT chegou ao
poder.
A parceria era simples - e descarada: um jornalista aliado
registrava algum rumor, envolvendo alguma figura do governo. Não era necessário
nem mesmo um vago indício; o rumor servia.
Mediante aquele registro, o procurador abria sindicância,
realimentando o noticiário, que, de rumor em rumor, ganhava voo próprio e foros
de verdade.
O PT, então, entrava em cena, pedindo uma CPI. Foi assim com
o ex-chefe da Casa Civil de FHC, Eduardo Jorge, que teve sua vida pessoal e
profissional devassada, sem que o acusassem de um único fato concreto.
A lógica era esta: se não há fatos, pior para os fatos. Era
preciso atingir Eduardo Jorge para, por meio dele, quem sabe, encontrar algo de
desabonador contra o presidente.
Nesse caso específico, porém, não deu certo: a CPI não saiu e
Luiz Francisco foi condenado na Justiça e indenizar sua vítima por danos
morais.
No poder, o PT imporia outra mudança: a passeata contra a
CPI, invertendo suas relações históricas com aquele instituto. Saía do "quanto
mais CPI, melhor" para acusá-la de ser um instrumento para desestabilizar o
governo.
Entidades como União Nacional dos Estudantes (UNE) e centrais
sindicais, que, ao tempo do PT oposição, engrossavam o coro das CPIs, ocupavam
ruas e praças públicas para protestar contra a instalação de uma CPI para
investigar a Petrobras.
Não faltavam fatos concretos, denúncias de gente da própria
estatal, com documentos e depoimentos. Mas a CPI, mesmo instalada, não deu em
nada. O governo a aparelhou, impedindo convocações e investigações.
O mesmo se deu com uma CPI mista (Câmara e Senado) para
investigar o MST. Não deu em nada, não obstante a multiplicidade de denúncias
documentadas.
Convocações e investigações eram sustadas em nome da
estabilidade do governo e das instituições, algo que, como se sabe, o PT sempre
defendeu.
Eis que agora surge a CPI do Cachoeira, proposta não pela
minoria, mas pela maioria (outra novidade). O objetivo formal é o de investigar
as conexões do contraventor Carlos Cachoeira com parlamentares, partidos e
outras autoridades do Estado.
Mas o objetivo real era o de sacrificar figuras da oposição,
como o senador Demóstenes Torres e o governador goiano Marcone Perillo.
No meio do caminho, no entanto, tinha algumas pedras. As
conexões de Cachoeira atingem também o PT, governadores aliados e a empresa
Delta, que cresceu à sua sombra, como a imprensa o tem mostrado com abundância.
Muda-se então o foco inicial, e a própria imprensa passa a
ser o alvo da CPI.
A mesma imprensa, que o PT municiava em CPIs do passado, com
quebras ilegais de sigilo dos acusados, agora é inimiga. Estabelece-se outra
inovação: a tutela moral das fontes.
Ora, fonte de informação é prerrogativa constitucional do
jornalista. Ele as escolhe e responde pela veracidade das informações. Não
importa se as obteve no inferno; importa o que faz com elas, se são verdadeiras
e não foram obtidas mediante alguma ilegalidade.
Não sendo assim, o que se configura é algo conhecido: a
tentativa de restabelecer a censura a uma instituição sem a qual inexiste a
democracia.
O PT julgava que, ao fornecer informações importantes, ao
tempo em que era oposição, havia estabelecido uma parceria com a imprensa.
Errou: a parceria da imprensa é com a notícia e com os leitores. Não há espaço
para mais ninguém.
Ruy Fabiano é jornalista
Fonte: "Blog do Noblat"
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