Por Manoel Bonfim Ribeiro
A seca já se instalou nos sertões do Estado da Bahia produzindo os seus efeitos negativos e nefastos sobre a economia dos agricultores.
Não é uma seca inusitada, mas prevista de longas datas pelos estudos do Instituto de Atividades Espaciais de São José dos Campos. Esta previsão foi chamada de "Prognóstico do Tempo a Longo Prazo". Baseia-se em interpolações de pesquisas cuidadosas fundamentadas no histórico pluviométrico da região nordeste. A cada 26 anos ocorre uma grande seca, como aconteceu a de 1979/84 quando o Dnocs e outros órgãos dos estados nordestinos receberam antecipadamente relatórios sigilosos analisando e alertando para o que iria ocorrer. Não é um modelo matemático na acepção do termo, mas um "Método Estatístico de Correlação", estudo que passou a merecer toda a credibilidade dos técnicos e dos poderes administrativos.
Fizemos, pessoalmente e por curiosidade, uma regressão com o perfil senoidal das secas acontecidas desde a chegada de Tomé de Sousa ao Brasil. A coincidência foi magistral, a cada 26 anos a senóide entra no seu ramo descendente apontando exatamente as secas ocorridas na região em séculos passados. Exemplificamos só algumas: 1582/84 - 1777/80 - 1877/80 - 1930/33 - 1957/59 e por aí vai a ciclometria das secas.
Não é uma equação, é um modelo que pode sofre alterações nas datas presumidas das secas para mais ou para menos devido à complexidade da trama atmosférica que foge aos domínios de técnicos, meteorologistas e cientistas. Esta seca instalada agora, sobretudo no Estado da Bahia, promete durar todo o ano de 2012 e também por todo o ano de 2013.
Neste estudo procuramos mostrar o sistema ondulatório dos períodos de chuvas escassas indicando a projeção das estiagens que afligem a região.
Analisemos agora o semiárido baiano
O semiárido dos quatro estados Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco somam uma área total de 327.000 km2 e o da Bahia sozinho tem área de 320.000 km2, praticamente igual. Desde o final do século XIX aqueles estados começaram a luta pela geração de água construindo açudes de maneira obstinada. A seca de 1877/80 foi tirana ceifando 500.000 vidas, 10% da população nordestina que era na época de 5.000.00 habitantes. Uma grande calamidade. Morriam de fome, sede, tifo, bexiga e outras endemias. Uma grande tragédia registrada na história do Nordeste e jamais esquecida.
Juntar água foi, então, o grande projeto de todos os nordestinos uma vez que estes reservatórios se tornaram essenciais para melhorar os terríveis efeitos da seca. O açude é um núcleo de vida, de atividade social e econômica, sobretudo nos períodos calamitosos de secas.
A nucleação em torno da açudagem foi de tal importância que os nossos técnicos se tornaram os maiores barrageiros do mundo e ao longo do século XX construíram a maior rede de açudes do planeta terra, mais de 70.000 açudes armazenando 40 bilhões de m3 de água, volume igual a 16 baías da Guanabara. O sertão virou mar.
O semiárido baiano, entretanto, ao longo do século XX, ficou totalmente esquecido pelos governantes apesar da sua mais baixa pluviosidade. Não participou da epopeia nordestina gerando e acumulando água para períodos inditosos. Não tivemos um programa específico e determinado de construir uma estrutura hídrica.
O Estado já tinha tudo, "Cacau, Petróleo e Paulo Afonso, as riquezas da Bahia", um jingle eleitoral. O cacau declinou, o petróleo, o maior produtor em terra, é, hoje, o Rio Grande do Norte e Paulo Afonso é de todo Nordeste. Construímos, tão somente, cerca de 150 açudes de pequeno e médio porte armazenando 1 bilhão de m3. Toda nossa água armazenada cabe num único açude do Ceará, o Araras que acumula 1 bilhão de m3. Em 1982, há 130 anos passados, o Rio Grande do Norte já tinha açude acumulado 600.000 m3 de água. Em 1934 o Ceará já armazenava 1 bilhão de m3 o que hoje acumula a Bahia.
O nosso semiárido possui uma excelente rede filamentar de rios e riachos intermitentes podendo construir um portentoso programa de açudagem, mas nada foi feito.
Vejamos mais, o Rio São Francisco banha 850 km no Estado pela margem esquerda, de Carinhanha a Casa Nova e 1300 km pela direita, de Malhada a Paulo Afonso. São mais de 2.000 km lindeiros, mas não possuímos uma só adutora adentrando-se pelos nossos sertões. O estado de Sergipe, com 250 km de rio, tem 5 adutoras levando água aos seus municípios.
O semiárido baiano constitui, portanto, na maior solidão hidro geográfica do Brasil. Não estamos preparados para enfrentar a grande seca de 2012/2013.
Os nossos administradores foram sempre absenteístas em relação a esta grande hiterlândia baiana. São 269 municípios, 57% da área do estado carentes de estrutura hídrica.
O programa de cisternas é excelente para as famílias sertanejas, já é um avanço, mas é água doméstica, mitiga a sede, mas não gera economia.
Temos, portanto, um semiárido pobre, mas prenche de riquezas naturais. A caatinga com suas 922 espécies botânicas é um bioma único no mundo. Por ser pouco explorada, esta grande área mantém ainda uma rica vegetação xerófila, verdadeiro baluarte contra desertificação devido a sua intensa inflorescência para a perpetuação das espécies. Esta rica fitogeografia é um paraíso, o melhor do mundo para o desenvolvimento de um vigoroso programa de apicultura orgânica. O semiárido baiano, este grande sertão dilatado, pode produzir cerca de 120.000 toneladas de mel por ano, três vezes o que todo Brasil produz.
A faveleira, euforbiácea leguminosa, nativa dos nossos sertões, é, ainda, um diamante bruto da caatinga à espera de lapidação. Ela, sozinha, redimirá o semiárido baiano com a produção de um finíssimo óleo de mesa que substituirá, com vantagens, o óleo de oliva, além da sua excelência como forrageira para caprinos, riquíssima em proteínas. Existem muitas outras riquezas naturais, mas permanecem inexploradas na estática do nada.
Estas potencialidades naturais da região não fazem, entretanto, nenhum progresso sem que haja o empenho da sociedade e dos poderes constituídos. O semiárido setentrional está anos-luz à frente do baiano, preparado para a grande seca e nós aqui no Estado da Bahia ainda estamos de calças curtas.
* Manoel Bonfim Ribeiro é engenheiro civil, professor doutor e mestre em Hidrologia